IV Encontro realizado em Ji-Paraná (RO) reúne as turmas de iniciantes e praticantes de agentes populares de saúde.

“A gente venceu.” A frase, dita com emoção por Francisco de Assis, coordenador do Instituto Padre Ezequiel Ramin, resumiu o sentimento que atravessou os quatro dias do IV Encontro da Formação em Saúde Integrativa Popular Comunitária, realizado entre os dias 5 e 8 de junho de 2025 em Ji-Paraná, Rondônia.

O evento marcou a etapa de encerramento da formação que teve início em 2023, que envolveu 130 participantes – sendo mais de 70 praticantes, em processo de reciclagem e registro, e quase 50 iniciantes. A metodologia da formação incluiu quatro encontros presenciais, trabalho voluntário, participação em seminário, aulas virtuais (frequentadas por ambos os grupos) e uma programação intensa de dedicação, estudo e troca de experiências. Os iniciantes ainda enfrentaram o desafio de apresentar estudos de caso, com apoio dos praticantes, que colaboraram como tutores e orientadores.

Ao final, foram certificados com 400 horas 48 participantes da turma de iniciantes e com certificados de 260 horas 79 participantes praticantes. Além da certificação das turmas, a formação possibilitou o registro profissional em homeopatia. A certificação e registro foi realizada pela escola Biocentrus (Erechim/RS), com organização do Instituto Padre Ezequiel Ramin (IPER), em parceria com a Diocese de Ji-Paraná e a Associação Brasileira de Homeopatia Popular Comunitária (ABHP), com apoio financeiro do convênio entre IPER e a MISEREOR, da Alemanha. Todo esse processo só foi possível pela coordenação composta pelo IPER, Pastoral da Saúde/Diocese de Ji-Paraná, ABHP e representantes da escola Biocentrus que foi essencial no processo de organização.

Na formação, nos encontros presenciais e virtuais contou com corpo docente experiente e comprometido: Lilian Carniatto, Valdeílson de Almeida, Vitor Hollas, Doriana Miotto, Edna do Amaral, Luis Passos, Irmã Marialva e Alexandre Mendonça, bem como, em várias oportunidades, tivemos momentos marcantes durantes os encontros presenciais como, o Ato de reivindicação da Pauta da Saúde Integrativa Popular Comunitária no Estado de Rondônia e as mesas de diálogos com os movimentos sociais de Rondônia que possibilitaram trazer a pauta da saúde integrativa como uma bandeira de luta.

“Gratidão é a única palavra para expressar o que eu sinto neste momento. A palavra é gratidão a todos, a todos que fazem parte dessa corrente que é a Pastoral da Saúde. A gente aprende cada vez mais. Cada vez que a gente vem aqui, a gente aprende muito, e muito mais. A sacola da gente nunca esvazia — sempre precisa de mais conhecimento. E, para mim, a palavra hoje é renovação. Porque cada dia que a gente vem, a gente se renova. E com essa etapa que estamos finalizando, é mais renovação”, resumiu uma das participantes durante a cerimônia de encerramento.

Homeopatia como prática de emancipação popular

Neste 4º encontro teve início com assessoria do tema Movimentos Populares de Homeopatia e apresentação de estudo de caso, por Edna e professor Passos. A educadora Edna Amaral, destacou que a homeopatia, quando popular e comunitária, não se reduz a uma técnica terapêutica.

“Nós não formamos homeopatas para distribuir medicamentos. Formamos educadores populares que usam a homeopatia como ferramenta de organização e transformação social”.

Para ela, o diferencial dessa abordagem está na formação crítica, que permite que cada pessoa compreenda seu corpo, sua saúde e sua relação com o meio: “Quando você orienta alguém a mudar sua postura diante de si mesma, da sua família e da sua comunidade, ela se torna dona do seu corpo.” Edna reforçou que essa prática não substitui o sistema de saúde, mas contribui com ele, criando redes de cuidado comunitário e fortalecendo a autonomia dos territórios. “Curar a dor é apenas um passo dentro de algo muito maior.” Afirmou

A programação seguiu com a apresentação dos estudos de caso pelos participantes iniciantes, sob a orientação do Professor Dr. Alexandre Mendonça. Em sua fala, ele trouxe uma reflexão profunda sobre o valor da dúvida e do fracasso no campo da ciência.

“O incômodo com a morte precoce de jovens pacientes por tuberculose levou à construção de uma teoria que buscava compreender aquilo que a medicina ainda não explica plenamente: por que adoecemos, onde adoecemos e como curar.”

O professor ressaltou que a inquietação frente ao insucesso é o que impulsiona o avanço do conhecimento científico. “Hoje temos uma ciência que valoriza apenas os resultados positivos, mas é no erro, na dúvida e na tentativa frustrada que nasce o verdadeiro avanço”. Pontuou. “É preciso entender por que um caso não deu certo. Isso é o que nos permite evoluir no cuidado com o outro”.

Cuidar da saúde é viver o evangelho

Também presente no evento, o bispo de Ji-Paraná, Dom Norbert Hans Christoph Foerster. Ele lembrou que o cuidado com os mais vulneráveis é parte essencial da fé cristã.

“É uma dimensão fundamental da nossa fé cuidar da saúde das pessoas, especialmente daqueles que vivem em alta vulnerabilidade”, disse antes de iniciar sua viagem pastoral pela região.

Ele elogiou o trabalho do Instituto Pe. Ezequiel Ramin e das comunidades envolvidas, que, por meio de terapias integrativas, têm oferecido apoio onde o sistema público, muitas vezes, não alcança: “Essas práticas não substituem o SUS, mas o complementam. Elas somam para garantir cuidado, presença e dignidade.”

Sua fala terminou com um apelo à simplicidade de vida, ao cuidado com a criação e à valorização das sabedorias tradicionais: “Temos que nos converter e simplificar a vida, cuidando melhor da boa criação de Deus.”

Francisco de Assis: “Nós resistimos e seguimos”

Francisco de Assis, lembrou a trajetória de resistência do movimento de saúde popular em Rondônia. Em sua fala de abertura, recordou os ataques sofridos há mais de uma década: “As comunidades com suas matrizes homeopáticas foram silenciadas em Ouro Preto do Oeste. Parecia o fim. Mas resistimos.”

Ele comemorou o reencontro das comunidades formadas ao longo dos últimos anos, e destacou que o maior valor da formação não está no diploma, mas na vivência concreta das práticas: “Todos têm algo a dizer. A vivência é a alma dessa formação. Vamos seguir juntos, rompendo estigmas e cuidando do que é nosso.”

Irmã Marialva deixa mensagem de incentivo e reconhecimento às turmas:

“A mensagem que deixo é que sigam em frente com coragem. É fundamental que continuem como multiplicadores — não apenas de conhecimento, mas de toda a sabedoria acumulada ao longo dos anos. São 36 anos de caminhada nesse território, e é bonito ver que muitos já estavam conosco desde o início”, destacou Irmã Marialva.

Para ela, a força do grupo transcende a formação: “Essa vitalidade faz bem para todos — para a Igreja, para as organizações, para as comunidades e até para o planeta. É uma energia alegre, disponível, movida por empatia e amor. Desejo que essa caminhada siga firme, com alegria, voluntariado, e, sobretudo, com o cuidado e o amor que todos demonstram.” Destacou.

Entre saber, fé e território

O IV Encontro reafirmou que a saúde integrativa popular é, antes de tudo, uma prática de resistência, cuidado e espiritualidade vivida no território. Uma síntese entre saberes tradicionais, organização comunitária e compromisso com os mais vulneráveis. Como resumiu Edna Amaral: “A homeopatia popular é um movimento social. Somos educadores populares, e nosso trabalho é ajudar a transformar a vida – a nossa, a da comunidade e a do mundo.”