No último dia 20 de outubro de 2024, município de Costa Marques recebeu a 12a Romaria da Terra, das Águas e Florestas. O evento reuniu centenas de romeiros e romeiras, entre agricultores, representantes de movimentos sociais e comunidades tradicionais e de 14 povos indígenas, que se uniram clamando por justiça social e ambiental.
A cerimônia começou com a acolhida do Dom Benedito, bispo da Diocese de Guajará-Mirim, que fez uma fala inspiradora, enfatizando a necessidade de proteger os biomas, rios e florestas da região. Ele expressou sua gratidão a todos os presentes e destacou que a romaria é um marco de fé e resistência. “Que está Romaria da Terra seja um marco em nossas vidas. O Senhor nos abençoe e nos confirme sempre na sua graça”, disse. E o pároco da Basílica Menor do Divino Espírito Santo, Padre Reginaldo destacou a importância do evento, agradecendo a presença dos participantes vindos de diferentes municípios, estados e até de outros países.
A chegada dos povos das águas, vindos do Rio Guaporé, foi importante macro nesta edição, junto com eles, a homenagem a festa do Senhor Divino Espírito Santo, tradição cultural e religiosas da região, que teve início em 1893. A festa costuma ocorrer entre maio e junho e envolve missas, procissões, danças e a distribuição de alimentos, como a sopa do Divino, simbolizando a partilha comunitária. A conexão com a Romaria da Terra, das Águas e Florestas destaca a luta pela preservação dos recursos naturais e direitos dos povos, reforçando valores de solidariedade e respeito à natureza.
Com início da caminhada, os romeiros e romeiras percorreram 2km e meio em oração, cânticos e paradas para reflexões e clamores.
Clamor dos povos tradicionais ribeirinhos, quilombolas e extrativistas
Na 1ª parada, lideranças das comunidades tradicionais da Amazônia – ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, agricultores familiares denuncia violações contra seus territórios, meio ambiente e suas formas de vida. As comunidades expõem a exploração predatória dos territórios amazônicos, incluindo a invasão de madeireiros, pescadores clandestinos e caçadores, assim como desmatamento, queimadas e poluição dos rios e do ar por agrotóxicos e outras substâncias tóxicas. Exigem políticas públicas para proteger a floresta, a fauna, as mulheres e jovens extrativistas, e a implementação de um modelo de produção que priorize a vida e não o lucro. Apelam pela reforma agrária como forma de redistribuição justa de terras e garantia de dignidade e segurança para as famílias, denunciando a concentração fundiária, violência contra camponeses, grilagem de terras e a especulação imobiliária. Rejeitam a privatização dos rios e a divisão dos territórios aquáticos entre grandes empreendimentos e atividades de garimpo ilegal, exigindo respeito ao direito de acesso livre e uso sustentável dos rios para sustento das comunidades. As comunidades clamam por justiça e reconhecimento dos seus direitos e da importância da floresta como fonte de vida, reiterando que “sem floresta não há vida”. Frente a exploração insustentável e o descaso governamental, as comunidades defendem seus direitos de existência e o equilíbrio ecológico na Amazônia.
Clamor dos povos indígenas
Na segunda parada, os povos indígenas expressam o clamor por igualdade, preservação e demarcação de suas terras. Pedem que seus territórios sejam livres, preservados e protegidos, destacam o desejo de conservar a “terra-viva” e manter o equilíbrio natural, essencial tanto para suas comunidades quanto para toda a humanidade. As lideranças indígenas ressaltaram o impacto do desenvolvimento insustentável, que afeta diretamente suas vidas, seus territórios e o meio ambiente, incluindo a biodiversidade, rios e florestas. “à exploração capitalista, causa destruição ambiental e acelera o aquecimento global”, enfatiza. Eles apontam que a preservação de seus territórios, com a demarcação oficial das terras, é vital para a proteção do planeta. Dessa forma, os indígenas reivindicam o direito de viver pacificamente em terras demarcadas, onde possam conservar sua cultura, espiritualidade e modo de vida sustentável. O clamor final é um apelo para que a proteção dos territórios indígenas seja vista como uma defesa da vida e do futuro de todos.
Clamor dos povos urbanos
Na terceira parada, clamor dos povos urbanos abordou várias questões sociais e de saúde, começando pela importância do SUS no combate ao HIV, promovendo o acesso ao tratamento e ressaltando os riscos do enfraquecimento do sistema. Ação comunitária foi destacada pelo Instituto Padre Ezequiel Ramin, que promove saúde integrativa, agroecologia e proteção das crianças e adolescentes. Neste momento destacou-se as ações da Pastoral da Criança e homenageou mártires sociais que lutaram pela justiça. Foi expressa indignação com a desigualdade econômica e o apelo por justiça climática, incluindo moradia, segurança e direitos para a juventude, que clama por respeito, segurança e um futuro sustentável.
Clamor da juventude
Na quarta parada, o clamor da juventude expressou um desejo profundo por liberdade, justiça e dignidade. Houve um apelo pela liberdade de ser quem são, sem medo e julgamento, e pela necessidade urgente de moradia para muitos que vivem sem segurança e em condições precárias. Também foi abordada a crise climática, incluindo a destruição ambiental e os efeitos extremos do clima. A situação de meninas adolescentes, enfrentando a maternidade precoce e vendo seus sonhos interrompidos, recebeu atenção especial. Por fim, a juventude declarou que seu grito é de esperança e transformação, pedindo por uma vida plena e pela superação das desigualdades.
Santa Missa da 12a Romaria da Terra, das Águas e Florestas.
Na celebração da Santa Missa, Dom Benedito falou sobre o conceito de uma “Igreja em saída” e a “dinâmica de sinodalidade”, destacando a importância de uma Igreja próxima ao povo, sensível às necessidades e desafios que afligem as comunidades locais. Representantes eclesiais ressaltaram ainda a responsabilidade de responder às demandas sociais e ecológicas em um mundo cada vez mais complexo e desafiador: “A representatividade da Igreja de todos os cantos do mundo se faz para que a Igreja possa responder às demandas que batem à sua porta em tempos modernos e de modo especial para tempos futuros”. Enfatizou Dom Benedito.
Ainda durante a missa, teve o momento de forte emoção, os participantes invocaram a proteção de Nossa Senhora Aparecida, considerada também a “Senhora do Seringueiro” na diocese local, refletindo o profundo vínculo espiritual com a Mãe de Deus em seu papel de protetora dos povos da Amazônia: “Que a Senhora nega, soberana a quilombola, Mãe de Deus Aparecida, nos cubra com seu manto e renove em nós o desejo de bem servir à vida e à justiça para com todos os povos”.
Por fim, a romaria foi encerrada com a tradicional Ladainha dos Mártires da Amazônia, homenageando missionários e missionárias que dedicaram suas vidas à proteção da região e de seus habitantes. “Este tributo é um lembrete poderoso da luta de tantos irmãos e irmãs que deram a vida em defesa da terra e de seus povos”, ressaltou dom Benedito. A mensagem ecoou entre os presentes como um chamado à fé, esperança e ação em prol da Amazônia.